quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sacanas Sem Lei

No domingo à tarde fui ver o último filme de Tarantino, Sacanas Sem Lei. Fica já aqui explicita a minha declaração de interesses: sou um apaixonado de Tarantino desde que há muito tempo (1994) vi o magnífico Pulp Fiction. Nunca mais perdi um filme seu (mesmo o anterior àquele, Cães Danados)
Em Sacanas sem Lei voltei a reencontrar-me com os seus diálogos inesquecíveis [quase todas as cenas, são cenas de longas conversas de pessoas que se olham, simulam, gesticulam (por vezes fatalmente...), criam ambiguidade, enfim personagens de carne e osso], com as suas citações cinematográficas (western, cinema de espionagem da segunda guerra mundial, evocação do cinema de propaganda da própria segunda guerra, etc.), com a sua magnífica direcção de actores e de banda sonora e com a sua recorrente (Kill Bill e A Prova de Morte) vingança feminina.
Não é um filme sobre a guerra nem sobre a guerra de 39-45, mas é uma recriação da história tendo como pano de fundo não só o poder do cinema (Tarantino dixit), mas também o poder do boato, da fama criada, do nome com que o inimigo apelida alguém que se evidencia pelo seu carácter aterrador. Todos têm um apelido: o apache, o urso, o caçador de judeus, o judeu, o leiteiro, os próprios Sacanas Sem Lei, etc. É o poder da imagem cinematográfica, da imagem que o terror desperta nas mentes, da imagem que a propaganda delineia e apregoa, da imagem que os artistas criam, da imagem terrível da vingança (recordo a cena final de Shosanna a rir-se por entre chamas) que este filme retrata. E ninguém melhor para manipular a imagem como cinema que um enciclopédico cineasta como Tarantino. A imagem mais do que uma realidade empírica é uma construção mental que influencia a vida e que a pode tornar manipulável. Ser um filme a dizer isto é algo de brilhante.
Uma palavra final para Christoph Waltz que, apesar da menos conseguida reviravolta final da sua personagem (culpa a que é alheio), arranca uma portentosa interpretação de oficial das SS. Aliás, o filme é também uma delícia na arte de bem representar.
Apesar de não ser para mim o melhor Tarantino, existem imagens, diálogos e momentos inesquecíveis que se juntarão aos muitos ícones com que este artista do cinema tem pontuado a história da sétima arte.
Nota 8

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Estado de Guerra

No domingo passado fui ao cinema ver uma filme praticamente ignorado pelas audiências porque foi incognitamente lançado pela distribuidora. Se não fosse o meu hábito e gosto pela crítica cinematográfica também não me tinha apercebido deste filme, que deve ser o melhor filme sobre guerra dos últimos anos: Estado de Guerra, de Kathryn Bigelow.
A acção desenrola-se no Iraque, onde acompanhamos uma unidade de minas e armadilhas que tem que lidar não só com o carácter improvável e cada vez mais sofisticado, em técnica como em maldade, de uma bomba que pode estar escondida no entulho, ou num carro, ou num corpo humano ou nas entranhas de um adolescente. Como também tem que lidar com aqueles que constituem a própria equipa e com as suas idiossincrasias. O filme gira à volta desta equipa que é liderada pelo homem que desmantela carinhosamente cada bomba, que admira a sua cada vez maior complexidade, que guarda religiosamente as peças detonadoras de cada uma das centenas de bombas que desmantelou, que parte para cima do lugar armadilhado como quem se lança sobre uma droga: é um vício, é uma decisão dominada pela adrenalina que tomou conta não só do corpo como de toda a vida daquele homem, como se perceberá no final do filme. Este viciado é protegido em todas as missões pelos outros dois elementos da equipa: o jovem assustado e questionador do sentido do que faz todos os dias e o homem racional que vê e tenta agir em cada acção segundo os cânones militares, as competencias apreendidas e que olha para aquela sua experiência como um intervalo que faz na construção do seu projecto de vida. Um intervalo que descobrirá ter que terminar...
O que destaco neste filme é que a sua realizadora (ex-mulher de James Cameron) não entra pelo discurso político nem filosófico sobre o sentido (ao falta dele) da guerra, sobre as suas razões, sobre a sua avaliação moral, sobre os seus dramas humanos (físico e psicológicos). Apenas expõe a faceta particular daquela unidade e a sua forma pragmática de estar em combate: alguém há-de safar-se. Aliás, é isso que seus os elementos pretendem: fazer bem o seu trabalho e sair dali (quem vir o filme, descobrirá com um dos protagonistas, que não será bem assim...). Não procuram razões, nem culpados, nem inocentes que são tudo coisas que não existem nas guerras...
Para a realizadora a guerra é uma experiência limite em que o homem radicaliza tudo o que tem: a vontade de viver, a vontade de se ultrapassar e ultrapassar cada vez maiores desafios e a cegueira/vício que esse ir cada vez mais longe provoca. Não é assim com o dinheiro? Com as vitórias? Com o sucesso profissional? O campo de batalha apenas potencia tudo isso.
Além de tudo isto, é um filme de acção, suspense, muito bem filmado por várias câmaras digitais e com interpretações no ponto. Se ainda o encontrar (no Porto, só está no Gaia Shopping), é uma excelente opção...
Nota: 8